No fim, ela acabou traindo o cara. Passou os últimos meses morando com um e se apaixonando por outro. No dia da mudança, eles conversaram com mais calma, deitados na dor um do outro. Ele declarou seu amor, disse que era louco por ela, que tinha perdoado a traição, que sequer via tudo como traição. Tarde demais: ela já estava no meio de outra história. Ao ouvi-lo sobre seu amor, confessou: “Eu não sabia de nada disso! Por que você não me agarrou antes? Por que não me disse todo dia, por que não se declarou completamente olhando nos meus olhos?”.
Ele surpreso com a reação e ela continuou: “Eu via você fechado, mal, calado. Pensei que não me amava mais. Então segui com minha vida”. É como se ela estivesse dizendo: “Se soubesse que você me amava, eu não teria feito nada disso”. Mais ainda: “Como parei de sentir seu amor, deixei de amá-lo. Tivesse você me amado, eu teria amado você também“. Antes de ir embora, ela ainda admitiu: “Eu quero casar e vou casar com quem me amar”.
Eu queria não saber descrever essa história. Queria que ela fosse raridade, um caso exótico apresentado em um noticiário que ninguém assiste. Queria que ela não estivesse ao nosso redor, ou melhor, tão dentro de nós. Queria que não fosse a nossa história.
O desejo de ser amado, a ânsia de ser visto, tocado, adorado. Alguém passa por perto e imaginamos como seria se tivesse curiosidade e interesse por nós, se quisesse saber tudo sobre nós. O desejo de ser desejado. Será que consigo deixar alguém excitado, será que consigo fazer algum olho brilhar por mim? Até que alguém enfim esbarra em nós e vem com desejo, curiosidade e acolhimento. Por sermos tocados, queremos tocar. Por sermos desejados, desejamos. Ao nos sentirmos amados, amamos. Será? A carência é sábia feiticeira. Será mesmo que o amor é essa coisa passiva? “Vou casar com quem me amar”…
Se só abraçamos quem nos abraça, nunca saberemos qual a textura de nosso abraço, nunca saberemos de fato o que é abraçar. O abraço pelo qual levantamos e vamos até o outro, esse não morre, não cessa, ainda que o outro solte os braços e nos abandone. A potência de abraçar é o que importa e é por ela que sentimos um abraço, não pelo corpo exterior que nos retribui ou nos larga. Tal é a diferença entre felicidade autêntica e prazer temporário: se sentimos nossa incessante capacidade de abraçar ou se somos reféns dos braços do outro.
Eu posso estar louco, mas confesso que nunca me senti amado. Nunca senti o amor vindo de fora, de nenhuma direção: família, namoradas, amigos. Deles já senti afeto, cuidado, paixão, carinho, tudo. Mas amor? Amor é essa coisa outra.
Quando amo, quando sinto o amor circular dentro de mim, é sempre como um gesto, uma ação, algo que faço em todas as direções, de dentro para fora. Respiração, abertura, repouso. Entrega. Sentir tudo me percorrer e conseguir penetrar tudo e todos. Olhar a beleza além do outro e fazê-la florescer. Ficar aberto e fazer de minha abertura uma chave para escancarar qualquer um.
Será que algum dia já recebemos amor? Como receber uma ação que nós mesmos temos de fazer? Amor é coisa que não se recebe. Quando uma mulher oferece amor para um homem, ele recebe carinho, cuidado, toque, mas não amor. Quando um homem ama uma mulher, ela pode sentir paixão, acolhimento, segurança, mas não amor. Amor é coisa que se dá.
Sentir com o peito nossa potência de amar é muito mais gostoso do que sentir algo passivamente vindo do outro. Quando praticamos o amor, é como se fizéssemos e recebêssemos uma massagem. A um só tempo, sentir e ser sentido, tocar e ser tocado. Quando recebemos carinho, deixamos de sentir o prazer de acariciar. Por outro lado, quando acariciamos, uma mágica acontece: simultaneamente nosso toque é a interface pela qual o outro nos acaricia também.
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